Ato falho (?)
A história é repleta de injustiças. Seja aqui no Brasil, com o caso emblemático do pedreiro Marcos Mariano da Silva que ficou 13 anos preso ininterruptamente sem ser condenado - e sequer ser processado -, ou nos EUA, cujas representações cinematográficas e televisivas de histórias reais nos apresentam casos como o do trabalhador negro Walter McMillian - protagonizado por Jamie Foxx no filme "Luta por Justiça", que retrata o início da carreira do advogado Bryan Stevenson e a formação do Equal Justice Initiative- , condenado por homicídio e sentenciado à morte, e a batalha jurídica para reabrir o caso em busca de absolvição; ou o filme, "O Preço da Verdade", protagonizado por Mark Ruffalo como o advogado Robert Bilott, que demonstra a saga judicial travada por habitantes de uma pequena cidade do estado de West Virginia contra uma das gigantes [empresas] do ramo químico, a DuPont, em busca de uma reparação, sobre o uso pela indústria do PFOA-C8, conhecido como o caso do teflon; ou ainda, apenas se emocionar com a história trazida pelo cinema turco no filme "Milagre na Cela 7", onde um pastor de ovelhas com deficiência mental vive com sua filha e avó num vilarejo na costa turca do mar Egeu, onde a filha do comandante morre e o pastor Memo é elegido como suspeito, condenado por assassinato e sentenciado à morte.
Então, absolvição e condenação fazem parte do (fantástico) mundo das Ciências Criminais: do Direito Penal, do Direito Processual Penal e da Criminologia. Em um processo penal, a acusação é representada pelo Ministério Público e o Réu precisa de um Advogad@ para defendê-lo, sendo que após a instrução probatória (produção de provas) o Juízo promulgará uma sentença, dando fim ao processo (antes de eventuais recursos). Ao sentenciar, esse Juízo tem 2 possibilidades: absolver ou condenar.
Para ilustrar essas possibilidades, é possível observar o caput de dois artigos do Código de Processo Penal:
Art. 386: O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
Art. 387: O juiz, ao proferir sentença condenatória:
Já no Direito do Trabalho e no Direito Processual do Trabalho - uma das principais áreas de nosso escritório -, esta última ciência é complementada fortemente pelo Direito Processual Civil, quando de uma sentença, colocando fim ao processo (antes de eventuais recursos), os termos a serem referidos e utilizados pelo Juízo, de acordo com o Capítulo XIII do Código de Processo Civil, que trata sobre a "Sentença", em seu artigo 487, são:
Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:
I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;
II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;
III - homologar:
- a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção;
- b) a transação;
- c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.
Por sua vez, na CLT, a indicação está limitada pelo seguinte artigo:
Art. 832 - Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.
- 1º - Quando a decisão concluir pela procedência do pedido, determinará o prazo e as condições para o seu cumprimento.
- 2º - A decisão mencionará sempre as custas que devam ser pagas pela parte vencida.
- 3º - As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso.
Consideradas essas premissas, leia a parte dispositiva - final - da sentença de uma Reclamatória Trabalhista recentemente julgada:
Notou algo nela?
Nesse caso, o Juízo "absolveu" o Bradesco, literalmente, de pagar qualquer crédito relativo à reclamatória trabalhista promovida pelo Trabalhador e Reclamante em questão.
No Direito, assim como na Vida, as palavras, além de significados, possuem sentidos, que porventura carregam cargas (in)conscientes.
E porque essa mistura entre termos do processo penal com o processo civil/trabalhista?
Para mostrar para você, leitor, a identificação de um ato falho.
O ato falho é também conhecido, psicanaliticamente, como lapso freudiano ou deslize freudiano, no qual "[atos falhos] possuem significado e resultam da formação de um compromisso entre o Inconsciente e o Consciente. Seriam manifestações do que foi reprimido pela Consciência e que, deste modo, como um 'engano', podem aparecer, revelando a intenção Inconsciente, e serem satisfeitos", como escreveu Sigmund Freud no livro "A Psicopatologia da Vida Cotidiana".
Tem Juiz@ mal-humorado; tem Juiz@ respeitoso; tem Juiz@ mal-educado; tem Juiz@ atencioso; tem Juiz@ que impede os Advogados de produzirem prova ou fazerem determinados questionamentos; tem Juiz@ que não quer colocar na ata de audiência determinadas palavras; tem Juiz@ que redige a ata como quer e não como o Reclamante/Preposto/Testemunha falou; tem Juiz@ que induz a resposta; tem Juiz@ que pressiona o depoente; tem Juiz@ que ameaça; tem Juiz@ cordial; tem Juiz@ que se veste com "pele de cordeiro"; tem Juiz@ que é tendencioso; assim como também tem Juiz@ que busca fazer justiça com base na prova produzida em audiência, avaliando também os documentos constantes nos autos do processo.
Ainda que tenha a condenação à obrigação de pagar (como viram no §3º do art. 832 da CLT), comumente arredondada para condenação de pagar, notem que o termo absolvição não faz parte da norma ou do vocabulário trabalhista ou cível, sendo um termo exclusivamente de natureza jurídico-processual-penal. Ou seja, a dicotomia empregada absolvição/condenação é própria, e exclusiva, do Direito Processual Penal.
O problema aqui demonstrado é justamente o paralelo: porque quando o Juízo diz que absolve a Empresa, a consequência é a condenação do Reclamante. Ou seja, no íntimo, o que ele faz é condenar o Hipossuficiente, condenar o Trabalhador, a não ter os créditos oriundos dos direitos suprimidos e maculados durante a relação de trabalho com o Empregador. O cotejo entre as searas criminal e trabalhista é como se o Juízo desse razão ao Ministério Público (correlata Empresa Reclamada na comparação) e impusesse uma pena ao Réu (correlato Trabalhador Reclamante comparativamente).
Isso é o que identificamos como o ato de escolher, em detrimento do ato de decidir, por parte do Julgador@. Mas isso é assunto para outra oportunidade aqui no Espaço Vital.
Quem já participou de uma audiência trabalhista sabe que muitos Juízes olham para o Trabalhador como se fosse o Réu de um processo penal. Alguns, inclusive, desdenham como se o Reclamante ali em frente fosse um "delinquente" por estar exercendo seu direito de ação contra o Empregador por direitos não observados e/ou sonegados durante o contrato de trabalho, o que é um comportamento incompatível com a toga que vestem, mas infelizmente é mais comum do que parece 'tipos' assim.
Essa manifestação evidente do Inconsciente do Julgador reluz seu sentimento sobre a ação de uma reclamatória trabalhista, refuta o princípio da primazia da realidade - básico e fundamental para o Direito do Trabalho -, e viola seu dever protetivo do hipossuficiente, ante o amparo constitucional do direito social ao trabalho.
Na prática, em que pese o Direito ter inúmeras normas, princípios e regras, quem tem o poder de interpretar e julgar é @ Juiz@. Logo, a partir das batalhas cotidianas em audiências dos representantes de nosso escritório, em peticionamentos, em prazos, em despachos e em sustentações orais, onde e quando identificamos o pré-julgamento dos Julgadores, pela Jurimetria que acompanhamos - produzindo e pesquisando - temos o conhecimento prévio sobre tais Inconscientes, permitindo que pensemos na melhor estratégia para ganhar o(s) pedido(s) no(s) processo(s), ou minimamente, chegar no pódio com a medalha de bronze, quiçá a prata.
Para finalizar, é importante citar Lacan, que também sobre o tema proferiu: "Nossos atos falhos são atos que são bem sucedidos. Nossas palavras que tropeçam são palavras que confessam. Elas revelam uma verdade por detrás".
Quanto ao caso em questão, ante a injustiça perpetrada por este Juízo, já foi apresentando o cabível Recurso Ordinário ao respectivo TRT.
Seguimos lutando, em busca da justiça para o caso, quer seja, a condenação do Banco Reclamado!