Apenas um Brasil só
- É Copa do Mundo, amigo.
Já diria e diz ele, Galvão Bueno.
A primeira recordação que tenho do global campeonato é o de 1990, na Itália. Especialmente do jogo final entre Argentina x Alemanha Ocidental. Estávamos assistindo o jogo na casa do Vô Helmuth e da Vó Iris, quando entrei em desespero e saí correndo e chorando, da sala para a cozinha, ao lado do fogão a lenha, quando a Alemanha Ocidental marcou o único gol do placar, criando vantagem, no final do segundo tempo. Que sentimento (!). A verdade é que eu torcia para a Argentina, já que o Brasil tinha perdido para a Argentina nas oitavas-de-final.
Mas não foi apenas por isso, que torcia para a Argentina naquela Copa, mas porque um ano antes desse evento, tinha viajado de avião pela primeira vez na (então curta) vida e conhecido outro país, a capital argentina, Buenos Aires, numa viagem em família com meus pais e meu irmão. O encantamento com o novo, com a viagem, com a descoberta, com o tango, constituíram uma ligação entre o eu e a Argentina. Embora seja descendente (também) de alemão, e meu sobrenome não nega tal fato, minha "torcida dois" ficou para os hermanos.
E é por isso que o subjetivismo tem grande importância em tudo que pensamos, no que falamos e na forma como agimos. Somos seres no e do mundo, para além do nosso próprio umbigo. E o mundo, muito provavelmente, não funciona da forma como imaginamos que ele é, foi, deveria ser ou será. Se os desafios no microcosmo já revelam complexidade, especialmente quando envolve o Outro, imaginemos só no macrocosmo, a potência ao quadrado dos desafios globais. Dessa maneira, buscar parar de atribuir um peso muito alto ao que acontece além do que temos controle é uma maneira de buscar manter o equilíbrio, fugindo de uma percepção distorcida da realidade. Afinal, o (des)compasso temporal é a mãe da verdade.
E justamente por isso, confesso que, ainda não entrei no clima dessa época que iniciou no domingo passado (23/11). Comecei a assistir a minissérie "Jogo da Corrupção: El Presidente", que narra de forma cômica a trajetória do João Havelange até a presidência da FIFA, sua primeira Copa do Mundo na Argentina e na qual ele estava presidente, a transformação da entidade em uma potência comercial e política, além, é claro, dos bastidores nada "republicanos" do mundo da bola. Ainda, a situação no nosso país também não ajuda, e tem uma guerra travada entre Rússia e Ucrânia [Ops, quer dizer, "operação militar especial", foi mal aí Sr. Putin].
A época incomum desta Copa também - perfeitamente compreensível ante as altas temperaturas no deserto - juntou-se com o fim do segundo semestre de 2022, pós-eleições e praticamente na véspera do recesso judiciário, Natal e Ano Novo. Particularmente, não sou um torcedor propriamente dito, ando longe do fanatismo e desprendido da paixão futebolística, mas alguém que curte e aprecia, de forma especial, a egrégora formada em torno de determinados momentos e acontecimentos, e nesse ínterim, a Copa do Mundo, sem sombra de dúvidas, é um deles.
Não interessa se sou colorado ou gremista, se o candidato em que votei nas últimas eleições ganhou ou perdeu, se escuto sertanejo universitário ou rock'n'roll, em qual religião professo minha espiritualidade, porque a realidade (no fundo, todos sabemos disso) não é dividida (apenas) dualmente: céu e terra, deus e diabo, preto e branco, certo e errado, nós e eles.
O equilíbrio está no meio ou na ponta da balança?
Parece que não existe mais meio, tchê! Não existe cinza, apenas a polaridade: + ou -, a depender de que lado você esteja, obviamente.
Contudo, a dualidade é o estado de se ter duas partes, não em oposição absolutas, mas em (co)existência simultânea. O mundo não é meu e não funciona da forma como eu gostaria que ele funcionasse. Assim como também não é teu e também não funciona da forma como tu gostarias que ele ordenasse. Não é deles, mas também não é nosso. É de todos: meu, teu, nosso, deles e daqueles outros ainda.
Logo, saber aliar ambas situações opostas é uma habilidade ímpar, para se manter equilibrado nesse mondo cane. Saber lidar com ambos os lados é um exercício de aprimoramento diário e significativo. Precisamos evoluir um pouco mais, pois creio que todos somos capazes disso. Ter o traquejo para balancear nossas próprias crenças e convicções com nossas próprias experiências, convergentes e divergentes do Outro, sinônimas e antagônicas com esse Outro, nos permitem desenvolver resiliência.
Aprimorarmos essa mentalidade, em qualquer contexto que seja, refletindo e avaliando nossos esforços e estratégias, tendo foco e perseverando, é um processo que nos faz destemidos e resilientes. Tenho certeza que todos Leitores lembram do 7 a 1 que levamos da Alemanha na Copa do Mundo no Brasil em 2014. Bem como do amargo 2 a 1 quando perdemos da Bélgica na Copa da Rússia em 2018. E como nos sentimos nesses momentos? O que fizemos? O mundo parou? O resultado teria sido diferente por uma superstição minha ou tua?
Ora, a flecha do tempo não perdoa, sempre em frente. Nos ensinou Ilya Prigogine - vencedor do Prêmio Nobel de Química de 1977 - que "a vida só é possível quando ela se volta para o futuro". O passado é irreversível, a historicidade é o puxão de orelha sempre presente, e a entropia é inerente ao mundo (natureza, homem, sociedade).
Nossa constituição é sempre aliando as temporalidades: passado, presente e futuro. Por isso, lembro também da música Jogo de Bola, do Chico Buarque:
Há que levar um drible
Por entre as pernas sem perder a linha
No jogo de bola
Há que aturar uma embaixadinha, deveras
Como quem tira o chapéu para a mulher
Que lhe deu o fora
Há que puxar um samba
Sacar o samba lá do labirinto da tua cachola
E dançar o miudinho
Feliz como um pinto no lixo
Mesmo quando o bicho pega
Mesmo quando já passou da hora
Salve o futebol, salve a filosofia
De botequim, salve o jogar bonito
O não ganhar no grito a simpatia
Quase amor
Da guria que antes do apito final
Vai sem aviso embora
Vivas a galera, vivas às marias-chuteira
Cujos corações incandescias
Outrora, quando em priscas eras
Um Puskás eras
A fera das feras da esfera, mas agora
Há que aplaudir o toque
O tique-taque, o pique, o breque, o lance
De craque do centroavante
E ver rolar a pelota nos pés de um moleque
É ver o próprio tempo num relance
E sorrir por dentro
Que samba (!), da vida, do jogo, do mundo, amig@!
Por isso que, mesmo usualmente não estando antenad@ ao esporte bretão, desconfio (quase com certeza, rs) que a cada quatro anos tu também resolve prestar mais atenção a um determinado grupo de jogadores, escalados para representar a seleção brasileira que vestirá a camiseta verde e amarela em campo.
E é praticamente inevitável fazer comparações de coisas do nosso cotidiano com o universo futebolístico nessa época. Então, sim, comecei escrevendo de um sentimento que, pela própria reflexão e escrita hoje, se transformou em certa alegria e esperança. Para quem não sabe, escrevo às 5ªs-feiras. Nesse momento, estamos na véspera do terceiro jogo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo do Qatar enfrentando Camarões e, acompanhando a movimentação de todo nosso Time, seja no RJ, seja em SC, sentindo o clima de união em prol da representação da Seleção (tal qual fizemos como cada um de vocês, nossos Clientes, em cada processo), sentindo o vento da integratividade para que a Seleção jogue de maneira completa (tal como buscamos orquestrar as estratégias em cada processo dando o melhor com competência e habilidade), e sentindo o tempo da colaboração aquecer, como uma só torcida pela nossa Seleção (pois ninguém corre sozinho), é a transformação que almejo.
Que possamos, todos, ignorando verdades absolutas, de algum modo, desenvolver a habilidade do dual e que superemos as (auto)limitações impostas temporalmente, para encontrarmos uma nova forma de enfrentar os obstáculos da vida (ou os adversários). Não é fácil, mas somos capazes. E daí, considerando isso, te pergunto, tchê: de que lado estás?
Por aqui, enquanto sigo em quarentena por mais um par de dias para me recuperar da COVID, e por ser tempo de sorrir por dentro, vou é torcer pela nossa Seleção Brasileira, rumo ao hexa!
VAMO BRASIL!!!